Correio da manhã
"Foi como se um camião estacionasse na minha cabeça, parecia o Homem-Elefante, foi um pesadelo.” Nav Modi, de 24 anos, foi um dos seis homens que sofreram falência múltipla dos órgãos e dificuldades respiratórias, depois de participarem num ensaio clínico de um novo medicamento, TGN1412, em Londres.
As cobaias humanas, que iriam receber duas mil libras (2800 euros) para testar um medicamento para tratamento da leucemia, artrite reumatóide e esclerose múltipla, estão na Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) do Hospital Northwick Park desde 15 de Março. Quatro já receberam alta. Os dois em situação mais preocupante “estão conscientes e confiantes”, informou a direcção do hospital.
Nav Modi, que participou em dois ensaios clínicos da Parexel, empresa responsável pelo teste, um dos quais lhe provocou diarreia e queda de cabelo, recordou que sentiu dores “impossíveis de descrever, parecia que os olhos iam saltar, que a cabeça ia explodir”. Mal levou a injecção com o TGN1412, “começaram as dores, insuportáveis”. A cabeça inchou, até três vezes o tamanho normal, e os médicos deram-lhe um analgésico. “Vomitei-o logo e de repente a dor passou da cabeça para a espinha. Contorci-me com dores e os médicos tentaram colocar-me uma máscara de oxigénio. Pensei que me iam matar e senti-me sem respiração. Só pedi para me deixarem sair, já não queria o dinheiro, apenas ser livre.”
A agonia de Nav, que participou no ensaio porque precisava do dinheiro para comprar um computador portátil, só terminou quando recebeu um sedativo. “Não nos tratam melhor que aos animais que têm nos laboratórios.”
Quando acordou na UCI do hospital é que percebeu a gravidade do seu estado de saúde. “Estava cheio de tubos, no pescoço, nas pernas, nas costas, nos braços, e com uma máscara de oxigénio. Queixei-me do desconforto a uma enfermeira. Ela disse--me: ‘Está seriamente doente. Se não cooperar connosco, pode morrer’.” Nav Modi não voltará a submeter-se a ensaios clínicos, “nem por um milhão de libras”.
Outra vítima, Mohamed Abdelhady, gerente de restaurante, tem poucas recordações dos dias de inferno. “Parecia que tinha grandes pedras dentro da cabeça. Se começámos a sentir-nos mal logo que fomos injectados, por que é que continuaram com o ensaio?”
MULHER NÃO RESISTIU A INFECÇÃO
O Instituto da Farmácia e do Medicamento aprovou 55 ensaios clínicos desde que entrou em vigor a Lei 46/2004, de 19 de Agosto – que transpõe para a legislação nacional as normas da União Europeia relativas ao ensaio clínico de medicamentos em seres humanos.
Em Outubro de 2005, a Inspecção-Geral de Saúde concluiu, após investigar um ensaio clínico promovido pela Abbott em vários hospitais, que uma doente foi “induzida em erro” pelos médicos do Hospital de São João (Porto) – não a informaram dos riscos que corria. A mulher, que experimentou um novo medicamento contra a artrite reumatóide, acabou por morrer na sequência de uma infecção generalizada.